Território


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Na Geografia, o conceito de território tem a função de articular as relações entre espaço e poder. Na definição dada pelo geógrafo alemão Friedrich Ratzel (1844-1904), o território é um espaço sobre o qual um Estado exerce soberania, de forma que ele próprio é definido como instituição criada por uma sociedade para defender seu espaço vital. Essa concepção, baseada em metáforas organicistas e biológicas, dá origem à tradição de estudos conhecida como Geografia Política.

A partir dos anos de 1970, sob influência do marxismo e com o objetivo de analisar as questões sociais emergentes, como as relativas à raça, ao gênero e ao neocolonialismo, uma nova linha de estudos, designada Geografia Crítica, retoma a importância do conceito de território, mas introduz duas diferenças importantes em sua definição.

Para os geógrafos franceses Yves Lacoste (1929) e Claude Raffestin (1936), por exemplo, o território não tem mais relação necessária com o Estado e pode servir à descrição e à análise das relações entre espaço e poder desenvolvidas por grupos sociais em disputa no espaço e pelo espaço, como povos indígenas ou tribais, grupos sociais informais e organizações criminosas, instituições e movimentos da sociedade civil. A segunda diferença passa pela inclusão de interações e disputas pelo espaço não apenas materiais (terra, recursos, infraestruturas etc.), mas também simbólicas (locais sagrados, identitários, de influência etc).

Por causa das reflexões sobre os processos de globalização, a noção de território é ampliada para abarcar fenômenos de comunicação e interconexão transfronteiriços, como os fluxos de informação e de mercadorias. Nesse caso, além de Rafestin, o sociólogo espanhol Manuel Castells (1942) e o geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001), entre outros pensadores, incorporam a noção de rede à de território para descrever dinâmicas que conectam diferentes pontos do espaço, em áreas não necessariamente contínuas. A noção de território-rede descreve o efeito da globalização dos meios de transporte e comunicação, fenônemo que cria redes internacionais de territórios, baseadas em práticas lícitas ou ilícitas, exercidas sob certo comando ou domínio.

No Brasil, de forma parcialmente independente dessas definições acadêmicas, consolidam-se dois usos práticos oficiais do conceito de território. 

O conceito de território distingue-se política e analiticamente da noção de terra, entendida como suporte material, passível de ser submetida a formas de mensuração e avaliação estritamente objetivas (como extensão, valor monetário e produtividade) e sujeitas a saberes econômicos e agronômicos. Território, ao contrário, aponta para uma relação simbólica com a terra, entendida como suporte de vínculos qualitativos baseados em determinada história de ocupação. Sob esse ponto de vista, privilegiado pela Antropologia, o conceito de território singulariza a terra: ao lhe agregar sentidos produzidos pela experiência social e resultantes da história de ocupação de um espaço por um ou mais grupos particulares, a terra propicia a criação de relações e costumes específicos, ou seja, ela inaugura a cultura e a identidade. 

É essa passagem da noção de terra (objeto material geral e mensurável) para a de território (relação qualitativa tramada sobre e com um espaço singular) que está em jogo quando se fala em territórios indígenas e quilombolas, por exemplo. Esse conceito é incorporado pelo ordenamento jurídico brasileiro quando se reconhece a necessidade de incluir no processo de regularização fundiária das terras indígenas e quilombolas não apenas razões fundiárias e agronômicas, como ocorre em situações de assentamentos urbanos ou rurais, mas também estudos históricos e antropológicos destinados a delimitar a singularidade daquelas ocupações [1]. 

O conceito de território também é empregado para determinar novas formas de governança, planejamento e avaliação de políticas públicas que emergem com a democratização do Estado. No Brasil, esse processo ocorre depois da promulgação da Constituição Federal de 1988 e é enfatizado a partir dos anos 2000. As chamadas políticas públicas de base local [2] valorizam as características e os recursos de cada território, entendido como conjunto plural de atores e de condições envolvido nas diversas formas de produção do local, e fomentam abordagens em pelo menos três grandes áreas: produção rural, produção de bens culturais e gestão da saúde pública. 

A partir de 2003, a partir de critérios de identidade geográfica, cultural e/ou produtiva, o Ministério de Desenvolvimento Agrícola desenvolve a política de Territórios Rurais (mais tarde, chamados de Territórios da Cidadania), visando criar e/ou fortalecer a institucionalidade territorial supramunicipal. No mesmo período, o Ministério da Cultura, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, elabora o programa Territórios Culturais com base nos chamados arranjos produtivos locais, especificamente ligados às artes e ao artesanato, à moda e confecção, à produção audiovisual e ao turismo. Finalmente, a partir de análises dos arranjos espaciais locais e sua influência sobre a saúde coletiva, o Sistema Único de Saúde (SUS) promove a reorientação do modelo assistencial de saúde pública, considerando o território como um dos conceitos centrais para o planejamento e a implementação de ações de assistência.


O conceito teórico de território surge com a aplicação da ideia de espaço vital ao Estado nacional. Mais tarde, esse conceito é ampliado para dar conta de outras formas de organização sociopolítica e das relações de poder e de identidade no espaço e pelo espaço. Mais recentemente, por causa dos efeitos da globalização sobre as noções de fronteira, o conceito de território passa a se associar à noção de rede nos campos da comunicação, do comércio e da mobilidade humana. No Brasil, o conceito ganha também dois usos práticos, para se diferenciar da noção de terra e para reformular os processos de elaboração e avaliação de políticas públicas.

Notas

[1] Dois documentos evidenciam a incorporação do conceito antropológico de território: a portaria nº 14/1996 do Ministério da Justiça, que estabelece regras sobre a elaboração do relatório circunstanciado de identificação e delimitação de terras indígenas; e a Instrução Normativa 57 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos

[2] Essas políticas criam um novo paradigma para o planejamento de políticas de desenvolvimento na União Europeia na década de 2010.