Racismo estrutural


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O racismo estrutural é resultante das dinâmicas socioeconômicas das sociedades que têm profundos vínculos com o colonialismo. Chama-se estrutural o racismo presente em sociedades em que são concebidos e normalizados determinados padrões e regras baseados em princípios discriminatórios por cor ou raça.

O antropólogo Kabengele Munanga (1940) explica que o termo “racismo” aparece após uma longa história de existência do termo “raça” e emerge na história contemporânea, nas primeiras décadas do século XX – enquanto o termo “raça” existe desde os primórdios da era moderna. Munanga afirma que a emergência do termo aparece pela necessidade de explicar as ideologias raciais que subordinam grupos não brancos, particularmente nas sociedades ocidentais e ocidentalizadas. Segundo ele, o termo racismo ganha mais força no mundo acadêmico durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A história do racismo durante o século XX é marcada, particularmente, por experiências traumáticas e abomináveis, como o regime de Jim Crow [1], nos Estados Unidos, o Holocausto, na Alemanha Nazista, e o Apartheid, na África do Sul. Contudo, o termo “racismo” não se restringe à qualificação de práticas de regimes autoritários e totalitários que recorrem à raça como critério de exclusão: o seu uso, seja na academia ou na vida social, passa a ser utilizado para compreender as formas de dominação e exploração baseadas em raça, assim como os mecanismos de produção e reprodução das manifestações do racismo, tais como atitudes preconceituosas e discriminatórias, a segregação territorial. O termo também compreende os efeitos múltiplos vistos nas desigualdades no âmbito da educação, da moradia, da distribuição de renda e das carreiras profissionais.

Em tempos mais recentes, o termo racismo passa também a nomear desigualdades no acesso, atendimento e tratamento na área da saúde. Ele tem também sido bastante empregado em contextos de discriminação no âmbito dos espaços de lazer e sociabilidade, além dos espaços de compras, como mercados, lojas, hotéis e outros territórios de consumo.

No Brasil, o racismo se torna contravenção penal em 1971, com a Lei Afonso Arinos. Todavia, a sociedade organizada e legisladores entendem que o racismo deve ser tipificado como crime. Isso ocorre por meio da chamada Lei Caó, graças aos esforços do movimentos negros brasileiros e das ações dos parlamentares negros durante o processo constituinte. O crime de racismo também está previsto na Constituição Federal de 1988, no artigo 5°, inciso XLII, segundo o qual "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei”.

Com o desenvolvimento dos estudos acadêmicos e jurídicos sobre o racismo no Brasil e as práticas e efeitos desse fenômeno em vários âmbitos da sociedade, pesquisadores e intelectuais passam a ressaltar as múltiplas formas de existência do racismo. Pode-se definir o racismo a partir das interações interpessoais, ou seja, entre grupos ou pessoas, envolvendo práticas, comportamentos ou discriminações baseados em raça. Tais estudos passam a identificar também a existência do racismo institucional, baseado nas concepções e desenhos de políticas e ações no setor privado ou público. Uma terceira definição de racismo, que ganha mais visibilidade no Brasil na década de 2010, consiste no racismo estrutural, identificado por estudiosos e intelectuais negros ao longo do século XX.

O conceito de racismo estrutural visa dar conta do conjunto complexo de ações que resultam em vantagens para um determinado grupo em detrimento do outro. Sendo assim, a rigor, todas as pessoas estão implicadas no racismo estrutural, alguns como vítimas, sofrendo os efeitos e desvantagens do racismo, outros como beneficiários ou agentes favorecidos pelo status quo ou por ações que visem aplicar suas vantagens no mundo.

Para a melhor compreensão do racismo estrutural é necessário lançar mão do conceito de branquitude, o qual permite perceber que a posição estrutural do branco lhe traz vantagens sistemáticas na sociedade brasileira. Tais vantagens abrangem desde elogios estéticos ao longo da vida até a preferência de pessoas brancas para o exercício de funções socialmente privilegiadas e vantajosas na sociedade.

Na atualidade, movimentos sociais denunciam o racismo estrutural por meio de linguagens políticas diversas, como os genocídios negro e indígena. Cada vez mais, o termo tem servido para dar visibilidade aos aspectos sistêmico, persistente, histórico e relacional do racismo e seus efeitos em todos as áreas da vida social, da linguagem à distribuição de bens valiosos na sociedade, como honra social, prestígio, recursos materiais e poder.

O racismo estrutural, conforme explica o professor e advogado Silvio Almeida (1976), está além dos âmbitos individual e institucional, embora possa ser expressado nas práticas interpessoais e nos ambientes corporativos. Sendo estrutural, o racismo é inerente à ordem social, está disseminado no tecido social, nas lógicas do cotidiano e das instituições e nos comportamentos e preferências subjetivas.

Para enfrentar o racismo na sua forma estrutural é necessário que cada pessoa se responsabilize por suas ações nos vários âmbitos da vida em coletivo, pois o racismo estrutural favorece sistematicamente individuos pertencentes ao grupo dominante, os socialmente brancos, e desfavorece, exclui e elimina fisicamente os grupos subordinados, como os negros, indígenas e seus descendentes.

Nota

[1] O regime Jim Crow é conhecido mundialmente como o período em que a segregação e a discriminação raciais são institucionalizadas e formalizadas nos Estados Unidos da América. Também conhecido como Era Jim Crow, tal regime tem início com as leis estaduais no sul dos Estados Unidos, que realizam separações formais dos espaços, especialmente públicos, como escolas, bebedouros, banheiros, assentos em ônibus, em teatros e outros espaços de lazer, cultura e entretenimento. Esse regime se encerra apenas depois de um grande levante pelos direitos civis no país.