Raça


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debate sobre raça se relaciona de modo estreito aos processos históricos, sociais e políticos de longa duração. Os usos e sentidos que o conceito assume têm servido não apenas a propósitos de hierarquização, administração e controle de populações, mas também à constituição de sujeitos e subjetividades, organização coletiva e mobilização política.

A ciência comprova que raças humanas não existem do ponto de vista genômico, pois sua realidade biológica não se sustenta. A categoria raça já existe no senso comum europeu medieval para se referir ao conjunto de características comuns de um grupo ou linhagem. Entretanto, é apenas no fim do século XVIII e, particularmente, a partir do século XIX que a ideia de raça ganha outro sentido. Nesse período, a noção passa a ser acionada como forma de ordenar hierarquicamente a espécie humana e operar esquemas classificatórios semelhantes às taxonomias das ciências naturais, porém atrelando diferenças físicas a qualidades morais, psíquicas e intelectuais. No momento que tem como pano de fundo o Iluminismo e as revoluções burguesas, com seus ideários humanistas e igualitários, a emergência dos racismos científicos serve ao propósito de justificar e naturalizar a existência de desigualdades. 

O paradigma organizado pelas ideias de progresso e civilização e guiado pelas leis da natureza interpreta as diferenças humanas como parte de uma ordem natural hierarquizada. Assim, a ideia de raça e os racismos científicos de origem europeia oferecem um esquema de pensamento utilizado para condenar as possibilidades de desenvolvimento de populações não brancas. A visão determinista daquele período posiciona a raça branca (ariana), em especial o homem branco da classe dominante, em posição de superioridade em relação a todas as outras. Esse tipo de pensamento fundamenta a dominação e legitima a subjugação de povos e de sujeitos considerados inferiores, como as mulheres, tidas como um sexo inferior. Esse tipo de construção funciona como base teórica para o expansionismo europeu, a produção de nacionalismos e a exploração mercantil escravagista que sustenta a visão colonialista.

No século XX, sob o impacto do pós-Segunda Guerra Mundial e dos efeitos perversos do nazismo e do fascismo, são desencadeados esforços conjugados no âmbito da política internacional para a desconstrução da concepção determinista da raça como fato biológico. Os conflitos raciais que marcam a segunda metade do século, como a luta contra a segregação racial nos Estados Unidos nos anos 1960 e as reverberações aterradoras do regime de apartheid na África do Sul, encerrado apenas no início dos anos 1990, produzem naquela década a percepção de que banir a linguagem racialista das pesquisas enfatiza a recusa do enquadramento determinista da natureza. Nessa esteira, populariza-se o uso do termo etnia para enfatizar a referência a grupos humanos que compartilham linguagem, cultura e/ou origem geográfica comum.

No Brasil, como categoria de investigação sociológica e articulação política, a abordagem da raça constata que processos de seleção e discriminação racial estão relacionados a estruturação de desigualdades persistentes. Desde o final dos anos 1970, a análise de indicadores socioeconômicos demonstra a distância entre brancos e negros e que a abordagem das desigualdades entre ricos e pobres deve levar em consideração as desigualdades raciais. Do ponto de vista analítico, a categoria negros agrega os indicadores de raça/cor pretos e pardos, conforme classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), prática metodológica estabelecida a partir da verificação da proximidade estatística entre essas duas categorias em termos de situação socioeconômica e da distância de ambas em relação aos indicadores da categoria brancos. 

No âmbito da articulação política, é também nesse período que é fundado o Movimento Negro Unificado (MNU), que reúne o ativismo brasileiro contra o racismo em torno da agenda estratégica de afirmação negra e da recusa dos modos de identificação e classificação múltiplos para o espectro de mestiçagem brasileira, como pardos, morenos e mulatos. A afirmação negra seria um dos passos fundamentais não apenas para o incremento da mobilização ativista, mas também ampliar a percepção do impacto da discriminação racial na organização da sociedade brasileira.

A partir da década de 2010, ganham renovada atenção outras marcas sociais que interagem com a questão racial na conformação de privilégios e desvantagens na vida social. São numerosas as contribuições que demonstram que os significados atribuídos à raça são historicamente coproduzidos em relação não apenas à classe, mas também a gênero, sexualidade, nacionalidade, origem regional, geração, deficiência, entre outros fatores. Essas dimensões precisam ser levadas em consideração para se compreender a reprodução do racismo e a persistência das desigualdades raciais. 

As diferenças genéticas entre as pessoas são insuficientes para que faça sentido a divisão em subespécies racialmente distintas. No entanto, ainda que não se sustente como realidade biológica, persiste a relevância política e social do conceito de raça.