Negro


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O termo negro é uma categoria cultural e política que marca a história dos afro-descendentes no mundo moderno. Negro pode ser também uma categoria existencial que explica subjetividades sociais na contemporaneidade. É vasta a literatura sobre o negro em diferentes áreas, como sociologia, artes, demografia, antropologia, literatura e filosofia.

O livro clássico Tornar-se negro, da psicanalista Neusa Santos Souza (1948-2008), mostra que negro não é uma essência, mas uma construção social, história e subjetiva. Na mesma direção, ao se referir às dimensões sociais da construção dessa categoria, Lélia Gonzalez (1935-1994) informa que o termo negro é uma conquista política, posto que os discursos sobre mestiçagem – como ideologia cultural do país – tendem a  dissolver e a fragmentar a identidade negra, por meio de variadas categorias de cor, como mulatos, escurinhos, roxinhos, marrons, morenos, cor de burro quando foge, conforme listagem  do resultado da pesquisa realizada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1976.

Por ser um processo de afirmação de identidade contra o racismo, algumas pessoas passam a se reconhecer como negras no ambiente familiar, mas outras só o fazem no ambiente escolar. Há algumas que só assumem sua negritude na universidade ou mesmo em outros momentos mais tardios da vida adulta. Esse processo complexo de reconhecimento está diretamente relacionado aos efeitos complexos do racismo sobre pessoas negras. Esses efeitos são forjados pelas ideologias tanto de embranquecimento, como de mestiçagem, que tendem a valorizar as origens europeias em detrimento das origens africanas, indígenas e orientais.

Os movimentos sociais antirracistas brasileiros adotaram o termo negro para se referir à identidade coletiva de pessoas descendentes de africanos e que caregam características fenotípicas e sociais que as colocam em condições de vulnerabilidade social. Sendo assim, as organizações desses movimentos adotaram o termo para se autonomear, como a Frente Negra Brasileira (1931-1937), o Teatro Experimental do Negro (1944-1968), o Movimento Negro Unificado (1978), Cursinho Pré-Vestibular para Negros e Carentes, o Educafro (1993), o Instituto da Mulher Negra, o Geledés – Instituto da Mulher Negra (1988) e a Coalizão Negra por Direitos (2019). Ou seja, o termo negro passou a ser a categoria dominante da identidade afro-brasileira nos século XX e início do século XXI para dar conta das identidades coletivas, sociais, culturais e políticas das comunidades afrodescentes no país.

Diferentemente dos Estados Unidos, em que o termo negro é considerado pejorativo e utlilizado como insulto racial e, por isso, os afrodescendentes preferem se autonomear como blacks (pretos em tradução literal), no Brasil, o termo negro prevalece em movimentos socias, coletivos, artistas, imprensa e pesquisas acadêmicas. Ou seja: as classificações raciais para os descendentes de africanos na América do Norte não são as mesmas daquelas presentes na América do Sul e em outras partes da América Latina.

Para abarcar as diferenças no interior dessa categoria social, muitas vezes se recorre ao uso das expressões "negros de pele clara" e "negros retintos" ou "negros de pele escura". Essas nomenclaturas têm sido apresentadas no Brasil por pessoas que desejam assumir tanto sua origem social como seus traços fenotípicos, sem negar as diferenças internas no grupo. Ao contrário, trata-se de mostrar as diversidades e complexidades nas formas de autoidentificação e classificação raciais. Portanto, o reconhecimento da negritude é um desafio complexo nas relações raciais brasileiras.

Na produção das categorias populacionais, o termo negro tem sido usado para se referir ao somatório das pessoas autodeclaradas pretas e pardas nas pesquisas realizadas pelo Censo do IBGE e por outros organismos oficiais que se valem dos termos oficiais adotados pelo Estado, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Por isso, todas as vezes que o termo negro é usado para se referir às condições de vida desse segmento da população brasileira, refere-se, portanto, às condições das pessoas autodeclaradas pardas e pretas, não apenas as pretas. Uma das principais justificativas para a junção dessas categorias está nas  condições socioeconômicas semelhantes entre elas, em termos de rendimentos, de tipos de ocupações, de acesso à educação de nível superior e à saúde ou mesmo de vulnerabilidades de condições de vida, de taxas de encarceramento e ainda de estatísticas de mortalidade violenta causada por armas de fogo.

Para as políticas de igualdade racial, reconhecer-se negro está intrisecamente relacionado a entender-se como sujeito de direito da política de ação afirmativa. Nessa política em especial, mais do que a origem ou a ancestralidade, o termo negro para designar pretos e pardos – beneficiários da política – está mais associado ao fenótipo, ou seja, às características físicas que permitem certos sujeitos viver o preconceito e a discriminação racial em sua própria trajetória ou experiência.

O termo negro faz parte do sistema classificatório do Brasil e também das identidades políticas agenciadas pelos movimentos sociais, organizações não governamentais e coletivos culturais. Ele expressa as contradições do racismo estrutural no Brasil e também a histórica política de resistência antirracista da nação brasileira.