Interseccionalidade
- Descrição
- Bibliografia
Interseccionalidade é um termo cunhado em 1989 pela intelectual e feminista negra estadunidense Kimberlé Crenshaw (1959) para dar visibilidade analítica, social e política às desigualdades e explorações complexas. Trata-se de experiências interdependentes e indissociáveis entre si, que criam desvantagens nas experiências cotidianas de algumas pessoas, como as opressões dirigidas à raça, ao gênero ou à classe social.
Em meados da década de 1970, os fundamentos da interseccionalidade já apareciam nos discursos e nas práticas do feminismo negro das Américas. Na América do Norte, o manifesto do Coletivo Combahee River trata, em 1974, da interconexão das opressões. Nos escritos de Lélia Gonzalez (1935-1994), intelectual da América do Sul, a abordagem interseccional está presente nas reflexões sobre as condições das mulheres negras e as formas de subversão do sistema de dominação e exploração patriarcal e escravista e do sistema patriarcal e racista do capitalismo moderno.
A interseccionalidade não é a somatória ou a multiplicação das desvantagens sociais, culturais ou econômicas. Não se trata de mensurar o sofrimento social ou hierarquizar as desigualdades, mas analisar essas diferenças em sua complexidade, para não deixar nas sombras ou na invisibilidade grupos fortemente impactados por múltiplos eixos de opressão e exploração econômica e social. A abordagem multidimensional só pode ser inserida numa teoria complexa da vida social, que pressupõe a interdependência de fatores determinantes e centrais para produção de desigualdades, estratificação social e desvantagens sistemáticas em dada sociedade, com implicações macrossociais, organizacionais e até mesmo subjetivas. Como teoria dos sistemas de opressão e exploração, a interseccionalidade deve ser entendida também análise dos fatores determinantes para situações de desempoderamento, desprestígio e subordinação de grupos sociais e de como esses fatores se relacionam mutuamente.
A partir da abordagem interpretativa e explicativa das desigualdades sociais que nasce no feminismo negro das Américas, as múltiplas formas de opressão e produção de desigualdade são levadas em conta para uma abordagem multidimensional – e não específica, particular ou ainda identitária. Por exemplo, nas elaborações iniciais são consideradas as opressões baseadas em raça, gênero e classe; posteriormente, outras categorias passam a ser mobilizadas, como a da sexualidade, da nacionalidade e da geração.
Apesar de o termo interseccionalidade ser identificado como conceito acadêmico, ele é também usado como ferramenta de intervenção política e identidade coletiva. No primeiro caso, são consideradas as variáveis que, em conjunto, revelam os pontos nodais em que as desvantagens se tornam cruciais e sistemáticas para um determinado grupo. A partir dessa identificação, são tomadas decisões para a ação coletiva e formulação de políticas públicas, entendidas como instrumentos de intervenção para promover a equidade social. O feminismo interseccional, por exemplo, se apresenta como rejeição ao feminismo liberal e eurocêntrico, que ignora a situação da mulher negra e indígena. Ademais, como identidade coletiva, manifesta também forte sensibilidade à geração e à sexualidade.
A teoria interseccional tem múltiplas aplicações sociais e acadêmicas. Trata-se, portanto, de um enquadramento interpretativo, cujo potencial analítico e político se deve à recusa de privilegiar a dimensão de uma dada realidade social em detrimento de outra. Essa perspectiva parte da premissa de que as dinâmicas de poder, a distribuição econômica e a subordinação social são interdependentes de tal forma que geram desigualdades econômicas ao mesmo tempo em que promovem sofrimento social, ou seja, danos às subjetividades depreciadas e estigmatizadas. Em vez de simplificar a realidade social, a abordagem interseccional lida com a complexidade das sociedades contemporâneas e propõe a abordagem multidimensional das diversas formas de opressão e produção de desigualdade, causadas por diferenças de raça, gênero, classe, religião, sexualidade, nacionalidade e geração.