Escravidão


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A escravidão no Brasil consiste na submissão de seres humanos ao cativeiro e ao trabalho forçado em função da base econômica da colônia portuguesa na América. A economia de grande lavoura utiliza do braço escravo, primeiro indígena e depois africano, desde o apogeu da colonização e continua a se servir da escravidão africana mesmo após a declaração de independência do Brasil, em 1822. Milhões de africanos são submetidos ao longo regime de escravidão, que dura quase quatro séculos.

No início da colonização, a escravização de indígenas pelos portugueses tem por objetivo a extração do pau-brasil e urucum, pois o projeto colonial na obtenção do ouro e metais preciosos é mal-sucedido. O extrativismo se mantém como principal atividade econômica até que, em fins do século XVI, o êxito da plantação de cana-de-açúcar e do comércio do produto tropical no mercado europeu faz do Brasil um modelo mundial de grande lavoura escravista.

Os rumos da colonização mudam e o Brasil passa a ser a colônia de maior interesse do império português. Os indígenas seguem escravizados para trabalhar na produção açucareira ao lado dos africanos, cujo trabalho começa a ser empregado nos engenhos. Porém, os historiadores Francisco Vidal Luna (1946) e Herbert S. Klein (1936)[1] apontam que os indígenas predominam na população escrava da colônia até 1600, quando os colonizadores substituem definitivamente a escravidão indígena pela africana a fim de consolidar um sistema escravista de produção açucareira destinada ao mercado internacional.

Muito se discute sobre as motivações dos portugueses ao optarem pela escravidão negra de forma exclusiva. De modo geral, entende-se que o colonialismo português está associado à visão escravista da África, existente muito antes da colonização do Brasil. No entanto, o interesse português na formação de um sistema de dominação colonial é algo novo na história. Isso dá origem ao colonialismo da época moderna, que percorre do século XVI ao século XIX, pois é estruturado em trocas mercantis dependentes do tráfico transatlântico de escravos, interligando África, Brasil e Portugal. Assim, os colonizadores veem na escravidão negra a viabilidade de formação do sistema colonial. A visão dos colonizadores é não só escravista como racista, já que justifica o domínio sobre índios e negros porque os consideram seres sem alma e selvagens.

A escravidão penetra profundamente na sociedade colonial a ponto de ser um dos objetos mais importantes do direito. A prática da escravidão é garantida por normas jurídicas que legitimam o direito de ter escravos, entendidos como propriedade privada dos senhores e de quem os possuísse na forma da lei. Mais do que o direito, a escravidão impregna a sociedade com relações sociais escravocratas – o tratamento desumano de escravo dispensado ao negro passa a ser visto como normal, tanto por parte das pessoas quanto das instituições. Segundo os sociólogos Roger Bastide (1898-1974) e Florestan Fernandes (1920-1997)[2], a escravidão faz o negro ter sua vida regulada pela heteronomia do branco durante esse período.

Entretanto, estudos históricos mostram a existência de movimentos de resistência ao cativeiro nos tempos da escravidão, sendo motins, revoltas e quilombos as formas de resistência mais comuns, antes mesmo da efervescência do movimento abolicionista no século XIX. Os insubordinados agem juntos, fazendo de queimadas nas plantações à organização de quilombos – comunidades coletivistas de refúgio para os fugitivos das fazendas. O Quilombo dos Palmares, na capitania de Pernambuco – atualmente parte da Serra da Barriga, Alagoas – é a maior comunidade sobre a qual há notícias no Brasil. É formado em 1630 por negros fugidos, quando as invasões holandesas causam guerra e desordem em Pernambuco. Seu maior líder, Zumbi dos Palmares (1655-1695), é morto em confronto com tropas coloniais em 20 de novembro de 1695, logo após a destruição do quilombo[4].

A escravidão se estende até o século XIX, quando o tráfico atinge o maior patamar, chegando a mais de 400 mil africanos importados na década de 1820[5]. O porto do Rio de Janeiro se transforma no maior centro de comércio de seres humanos do mundo: lá são aportadas pessoas africanas de diversas origens, como iorubá, haussá, fon, bantu etc. 

Neste mesmo século, o movimento abolicionista ganha mais força entre negros e brancos. Em 1850, a liberdade já é uma realidade para alguns quando, neste ano, a Lei Eusébio de Queirós reprime o tráfico clandestino. Em 1871, a Lei do Ventre Livre reconhece a liberdade daqueles que nasceram no país e os abolicionistas acabam de vez com a escravidão quando a Lei Áurea é promulgada, em 1888. Ocorre que os negros, apesar de conseguirem a liberdade, não recebem incentivos ou indenizações por parte do Estado para se inserirem na sociedade de classes do pós-abolição. Naquele momento, nenhuma forma de reparação social é realizada, o que traz profundos traumas para sociedade brasileira, como o racismo e a desigualdade racial.

Notas

[1] LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Escravismo no Brasil. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.

[2] BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. 4. ed. rev. São Paulo: Global, 2008.

[3] REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (org.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

[4] Mais recentemente, a data da morte de Zumbi entra para a história como um dos principais marcos da resistência à escravidão, ensejando comemorações no dia da consciência negra a cada 20 de novembro. Ver MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013.

[5] Estimativas do total da importação de escravos no Brasil ficam entre 4 e 5 milhões. Ver ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

[6] FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Editora UNESP, 2014.