Embranquecimento
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O conceito de embranquecimento guarda relação estreita com as teses eugenistas que dominam a ideologia racial desde a metade do século XIX até meados do século XX. De acordo com essas teses, a constante melhoria da sociedade ocorre por meio da transmissão hereditária apenas dos bons caracteres, a partir do incentivo à reprodução de grupos e indivíduos considerados mais adequados e da inibição da fecundação daqueles tidos como inadequados. Esse postulado, combinado à ideologia que hierarquiza a espécie humana em raças distintas e determina a superioridade física, moral, psíquica e cultural da raça branca, transforma esse conceito em padrão estético e civilizatório desejado.
As teorias de embranquecimento ganham versões próprias na América Latina, cuja história é marcada pelo encontro violento entre o colonizador europeu, os povos originários e a população africana escravizada. Nessa região, a ênfase recai sobre a adaptação ao meio, a educação moral, o controle sexual e as reformas sanitárias de viés higienista. Desse modo, os determinismos biológicos cedem espaço para as reformas sociais que buscam prevenir a “degeneração hereditária”, inaugurando uma ciência do aprimoramento racial que toma o embranquecimento como meta a ser atingida. Sob esse paradigma, no Brasil da passagem do século XVIII para o XIX, a discussão sobre a possibilidade de progresso e avanço civilizatório tem que adaptar a lógica eugenista diante da evidência de a maioria da população ser mestiça.
Assim, o embranquecimento progressivo da população é considerado um dos principais investimentos para acomodar os conflitos raciais e viabilizar a construção nacional. Essa ideia ganha tonalidades religiosas e um quadro se torna conhecido por expressar o imaginário do embranquecimento: A Redenção de Cam, do pintor hispano brasileiro Modesto Brocos (1852-1936). O título da obra remete à passagem bíblica que narra como Cam, um dos filhos de Noé, é castigado por ter visto o pai bêbado e nu – sobre ele recai a maldição de ser o “servo dos servos”. Nesse sentido, as populações africanas são apontadas como descendentes de Cam, desencadeando, por associação, a justificativa de vaticínio divino para a escravização relacionada à raça. No quadrante esquerdo, a pintura retrata uma mulher negra e idosa, de pé e com as mãos estendidas para o céu em gesto de agradecimento. Ao seu lado, uma mulher mais jovem e parda segura um bebê quase branco no colo. À direita da tela, um homem branco, sentado com as pernas cruzadas, observa a cena com ar de satisfação. A cor da pele gradativamente mais branca como metáfora da salvação (ou redenção) ilustra, segundo a perspectiva eugenista, a aposta de limpar a conformação racial brasileira como forma de remediar a nação e torná-la apta para o avanço civilizatório.
A pintura é usada para ilustrar no Congresso Universal das Raças, realizado em 1911 pelo médico e antropólogo João Batista Lacerda (1846-1915). Segundo ele, o embranquecimento do povo brasileiro é positivo, pois, ao longo desse processo, o traço negro presente na população se dilui e as qualidades da raça branca se sobrepõem às características das demais raças. De acordo com suas previsões, com a inclusão dos atributos da raça branca, as gerações seguintes tornam-se predominantemente brancas. Para levar a cabo essa teoria, as políticas de imigração desse período incentivam a entrada de europeus e restringem o ingresso de imigrantes africanos e asiáticos no país.
Essas teses racialistas de embranquecimento só são desacreditadas depois da Segunda Guerra Mundial. Com a recomposição geopolítica mundial e em face dos horrores engendrados pela política nazista, a noção de raça enquanto fato biológico é cientificamente refutada.
No Brasil, as políticas implicadas na supervalorização de padrões culturais associadas à raça branca não apenas fomentam o desejo de embranquecimento da população como forma de inserção social e avanço cultural, como também estimulam a depreciação de pessoas negras e de elementos relacionados à cultura afro-brasileira. O embranquecimento, tomado como modelo de aperfeiçoamento social e moral, torna-se uma ideia persistente no imaginário nacional, ligada ao desejo de assimilação cultural e ascensão social.