Branquitude
- Descrição
- Bibliografia
- Temas
A branquitude é uma posição surgida na confluência de eventos históricos e políticos determinados, em que sujeitos classificados socialmente como brancos são privilegiados quanto ao acesso a recursos materiais e simbólicos. A branquitude é, portanto, uma estrutura de poder concreta em que as desigualdades raciais se ancoram.
Definir o que é branquitude e quem são os sujeitos que ocupam lugares sociais da branquitude é o nó conceitual no centro do debate público sobre o tema. Ser branco e ocupar o lugar simbólico de branquitude não é algo estabelecido pelo mundo “natural” da genética ou da biologia. A branquitude está relacionada às estruturas de poder concretas em que as desigualdades raciais se ancoram.
O livro Black Reconstruction in America (1935), do sociólogo estadunidense W. E. B. Du Bois (1868-1963), é referência para entender a branquitude. Para o autor, raça, classe e status se entrelaçam. Du Bois nomeia o lugar de prestígio da brancura como “salário público e psicológico”, que resulta em acesso a bens materiais e simbólicos que os negros não podem usufruir. Ou seja, os brancos trabalhadores, ao aceitarem a raça como um divisor dessa classe, se aproximam dos brancos de todas as outras classes sociais, dividindo com estes os mesmos acessos a lugares públicos, o mesmo direito a voto e, portanto, o status dado à branquitude.
Os trabalhadores brancos, no nível material, podem monopolizar recursos econômicos, sociais e estatais; no nível psicológico, particularmente os trabalhadores que vivem nas margens econômicas ou sociais, são providos de um "salário" inesgotável na forma de status social, capital simbólico e distinção dos negros que a adoção da supremacia branca proporciona. Assim, os trabalhadores do sul e do leste da Europa são capazes de se livrar do estigma de ocupar uma identidade racial mediana entre brancos e negros. As recompensas materiais da branquitude são substanciais para trabalhadores imigrantes, e a adesão à branquitude concede aos trabalhadores pobres mobilidade social na estrutura de classes que garante para as próximas gerações a “entrada” no grupo de brancos e a capacidade de acumular e transferir riquezas
As sociólogas brasileira Edith Piza e britânica Ruth Frankenberg (1957-2007) argumentam que a identidade racial branca se concretiza diariamente por meio da falta de percepção do indivíduo branco como ser racializado: a brancura é vista pelos próprios sujeitos brancos como algo “natural” e “normal”, estabelecendo a ideia de quem tem raça e etnia são os “outros” racializados – no caso do Brasil, os negros e os indígenas.
Outros fatores relacionados à branquitude são como os privilégios materiais dos brancos, para os quais há mais facilidade no acesso à habitação, à hipoteca, à educação, à oportunidade de emprego, à transferência de riqueza herdada entre as gerações, à segurança pública e, sobretudo, ao sistema judiciário. No Brasil, tais dados são evidentes em diferentes pesquisas de cunho quantitativo e qualitativo: os estudos raciais demonstram a presença e a persistência das desigualdades raciais e da situação subalternizada de negros e índigenas em relação aos brancos na sociedade brasileira
Brancos têm vantagens com a opressão racial e com o racismo, pois são tais mecanismos que fazem a população branca ter vantagem no preenchimento das posições da estrutura de classes que comportam os mais desejados privilégios materiais e simbólicos. Além disso, brancos têm benefícios menos concretos, mas fundamentais quanto ao sentimento e à constituição da identidade dos indivíduos, tais como honra, status, dignidade e direito à autodeterminação.
O argumento de que a branquitude é construída sócio-historicamente como posição racial de superioridade é tese compartilhada por diferentes teóricos. É importante frisar que sujeitos brancos não se sentem necessariamente superiores aos não brancos: trata-se de crítica direcionada à significação da branquitude como o lugar racial da falsa ideia de superioridade. Os brancos obtêm e distribuem entre si vantagens simbólicas em razão dessa pertença, mesmo que involuntariamente.
A ideia de privilégio é essencial para a compreensão da branquitude. Essa lógica não é percebida por quem obtém tais privilégios, pois as sociedades ocidentais são majoritariamente eurocêntricas e determinadas pelos padrões culturais de grupos dominantes. Como todo sistema de visão única sobre as formas de viver e ser no mundo, esse monoculturalismo é cego às especificidades culturais e confunde particularismos com neutralidade.
A psicóloga brasileira Maria Aparecida Bento argumenta que os brancos agem por um mecanismo que ela denomina de pactos narcísicos, alianças inconscientes, intergrupais, caracterizadas pela ambiguidade e pela negação do problema racial – silenciamento ou interdição de negros em espaço de poder e permanente esforço de exclusão moral, afetiva, econômica e política do negro do universo social.
Estudos críticos sobre branquitude demonstram que como lugar de privilégio, a branquitude não é absoluta, mas atravessada por uma gama de outros eixos de vantagens ou desvantagens relacionadas a classe, gênero e nacionalidade. No caso do Brasil, as regiões e estados em que as pessoas estão não apagam o privilégio racial branco, mas o modulam ou modificam. A identidade racial branca produz em cada sujeito branco diferentes significados, sentidos e formas de agir e de se movimentar no mundo; se cada sujeito percebe de forma diferente cada um desses aspectos, cada sujeito se torna branco e exerce o poder da branquitude de uma maneira.
A branquitude é produto da história e resultado do racismo e da dominação colonial persistente. Somente com uma sociedade realmente igualitária, a brancura da pele passaria a ser apenas uma característica fenotípica, e não um lugar de poder.