Ancestralidade


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Categoria fundamental à espiritualidade africana, pode ser definida de duas formas: como a condição de antepassado ou ancestral familiar; ou, principalmente, como o legado ou herança espiritual e moral que o ancestral ou antepassado deixa em proveito de cada um de seus descendentes. Isto porque se relaciona a um princípio básico, o de que todos os seres do Universo são dotados de um impulso, energia ou força vital e se integram em uma cadeia hierárquica – encabeçada pelos primeiros ancestrais dos seres humanos, os fundadores dos diferentes clãs (às vezes concebidos como um ser não humano com características animais), seguidos dos  mortos ilustres de cada grupo, por ordem de nascimento. Cada elemento representa, assim, um elo da cadeia de descendência que transmite a força vital dos primeiros antepassados para os viventes [1]. 

 Em muitas sociedades africanas se acredita que a interação periódica com os ancestrais que habitam o “outro mundo” é imprescindível para garantir a sustentabilidade da vida “neste mundo”. Entretanto, o respeito e as honras devidas aos ancestrais não devem ser entendidos como “culto”, como às vezes se supõe. 

O respeito para com os ancestrais decorre do tratamento de deferência que é devido aos mais velhos, ou seja, é uma extensão do princípio de senioridade, mais do que uma forma de deificação que exija veneração [2]. A boa relação dos vivos com seus antepassados falecidos tem, sim, influência na vida terrena; mas isso não configura um “culto” como o prestado às divindades. 

O tema é controverso; e sobre ele John Mbiti (1931-2019), filósofo queniano, pastor da igreja anglicana e renomado pesquisador das religiões africanas, afirmou que aquilo que alguns observadores europeus viram, na África, como “sacrifícios em favor dos ancestrais” eram apenas “ofertas de comidas e bebidas (...) que cabem perfeitamente no quadro das ‘relações familiares de parentesco’” [3]. 

Isso não significa dizer que, em algumas sociedades, os ancestrais mais notórios da família não sejam ritualmente “deificados” – o que possibilita a interação com eles através da sua manifestação mediúnica em algum indivíduo iniciado para esse fim. A relação com os ancestrais se enquadra numa concepção de descendência que remete ao passado e às origens, reforçando a identidade coletiva do grupo de parentesco. Ver EGUNGUM