Ações afirmativas


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Ação afirmativa é uma expressão usualmente associada à reserva de vagas (ou cotas) e pode se referir a políticas e iniciativas públicas ou privadas que promovem benefícios e garantem direitos civis, políticos e culturais a variados grupos que sofrem discriminação sistemática. Entre as diversas práticas de ações afirmativas estão as garantias de admissão em universidades, de acesso ao mercado de trabalho, de preferência na celebração de contratos públicos, de proteção do patrimônio cultural. Essas ações podem integrar grupos sociais distintos em cor, etnia, gênero, casta, local de moradia, região de origem, religião, deficiência, condição socioeconômica e demais aspectos.

As medidas podem variar dentro de um espectro de aplicação. As ações mais extensivas incluem divulgação de vagas e recrutamento de indivíduos sem obrigatoriedade de participação nos processos seletivos; as formas mais restritas preveem a reserva de oportunidades exclusivas para indivíduos de grupos específicos. A restrição da modalidade de ação afirmativa afeta a intensidade dos conflitos que pode despertar: quanto mais circunscrita for a política de afirmação, maior a resistência da opinião pública de aceitá-la. No ensino superior, por exemplo, as ações afirmativas podem ser postas em prática nos exames seletivos com reserva de número determinado de vagas (cotas), acréscimo de pontos nas notas (bonificações), criação de vagas suplementares reservadas e outras políticas menos restritivas.

No Brasil, as ações afirmativas florescem de modo diferente de países pioneiros como Índia e Estados Unidos. Em 1983, o deputado Abdias Nascimento (1914-2011) apresenta o Projeto de Lei n° 1.332, que propõe a criação de mecanismos de compensação para afro-brasileiros, incluindo a reserva de vagas de trabalho no serviço público. O projeto, porém, não é aprovado pelo Congresso Nacional.

Apesar de não receber essa denominação, a primeira ação afirmativa assegurada como norma jurídica no Brasil é a reserva de vagas para pessoa portadora de deficiência em cargos e empregos da Administração Pública, prevista no artigo 37 da Constituição de 1988.

Entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, graças à maior disponibilidade de indicadores sociais sobre as dimensões socioeconômicas da desigualdade racial e às pressões de organizações do movimento negro, a desigualdade racial ganha visibilidade no debate público e ingressa na agenda governamental. As discussões intensificam-se com a Conferência de Durban promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2001. Nesse encontro é reconhecida a necessidade de adoção de ações afirmativas em instituições educacionais, partidos políticos e demais espaços de poder e decisão.

Em 2002, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) se tornam as primeiras universidades públicas a adotar ações afirmativas na modalidade de reserva de vagas (cotas).  Em 2004, é criado o Programa Universidade para Todos (Prouni), que concede bolsas de estudo integrais ou parciais, custeadas pelo Governo Federal, em instituições privadas de ensino superior.

Nos anos subsequentes, outras universidades públicas instituem ações afirmativas por meio de reserva de vagas, concessão de pontos adicionais ou criação de novas vagas destinadas exclusivamente a grupos desfavorecidos. Essas medidas são criadas por meio de leis estaduais ou atos administrativos para regular os processos seletivos das universidades públicas.

O ano de 2012 é considerado um marco na institucionalização de ações afirmativas graças a dois importantes eventos. Em 26 de abril,  o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece, por unanimidade, a constitucionalidade das políticas de reserva de vagas de recorte racial no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADFP) n° 186/DF. Em 29 de agosto de 2012, é a vez do Congresso Nacional se manifestar sobre o tema e promulgar a Lei Federal n° 12.711, conhecida como Lei de Cotas, que determina que instituições federais de educação superior reservem, em cada processo seletivo de ingresso, um percentual de vagas em cursos de graduação para estudantes com perfis específicos [1].

Em 2014, as ações afirmativas passam a ser adotadas em concursos públicos, em obediência à Lei Federal n° 12.990, que reserva 20% das vagas para provimento de cargos no âmbito da Administração Pública federal direta e indireta dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Em 2016, o STF reconhece a constitucionalidade dessa lei ao julgar a  Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 41.

No Brasil, essas políticas também têm sido adotadas por programas de pós-graduação de universidades públicas e por empresas privadas que desejam ampliar a representatividade de determinados grupos em posições de liderança. 

As ações afirmativas são medidas que variam em termos de restrição e que têm por objetivo oferecer direitos e oportunidades a grupos historicamente discriminados em diversos setores, especialmente no ensino superior, no mercado de trabalho e na representação política. No Brasil, essas medidas são consideradas constitucionais e algumas são regulamentadas por leis federais e estaduais, enquanto outras dependem de decisões autônomas das diferentes instituições. 

Nota

[1] Esses estudantes devem: a) apresentar percurso integral do ensino médio em escolas públicas; b) ser oriundos de famílias com renda igual ou inferior a um salário-mínimo e meio per capita; (c) autodeclarar serem pretos, pardos ou indígenas em proporção no mínimo igual à desses grupos na população da unidade da Federação onde a instituição está situada, conforme o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2016 a lei é alterada para incluir  entre as beneficiárias as pessoas portadoras de deficiência.