Zumbi dos Palmares
1655
1695
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Atualização 13/04/2023
Zumbi dos Palmares (Serra da Barriga, União dos Palmares, Alagoas, 1655 – Serra Dois Irmãos, Viçosa, Alagoas, 1695). Nasce na Serra da Barriga, atual região de União de Palmares, em Alagoas. No ano de seu nascimento, ocorre a primeira expedição contra o Quilombo dos Palmares organizada pelo governo de Pernambuco depois da expulsão dos holandeses (1645). Conforme o historiador Décio Freitas (1922-2004), entre os prisioneiros daquela expedição, está um menino nascido há poucos dias, que fica sob a responsabilidade da família Lins, do distrito de Porto Calvo, poderoso clã de Alagoas que organiza e aparelha uma das colunas da expedição. A criança é dada de presente pela família ao pároco do distrito, Antônio Melo, que o batiza com o nome cristão Francisco e o cria de acordo com jurisprudência do Conselho Ultramarino, consolidada por alvará régio de 1682, que declara livres os negros nascidos em Palmares.
Segundo as cartas do pároco, Francisco demonstra inteligência jamais imaginada em pessoas da raça negra e poucas vezes encontrada em brancos. Aos 10 anos, Francisco tem o conhecimento necessário do latim e domina bem o português. Como o menino, feito coroinha da igreja, demonstra bom comportamento, o padre se diz perplexo ao saber, por volta de 1670, da fuga de Francisco “para a companhia dos negros levantados em Palmares”. Os vínculos do menino com o pároco, entretanto, são mantidos. Zumbi o visita em Porto Calvo pelo menos em três ocasiões até 1682, ano em que o pároco retorna a Portugal para assumir a paróquia de Santarém. Na segunda dessas visitas, Antônio Melo toma conhecimento de que Francisco troca o nome cristão pelo nome africano Zumbi [1].
São muito raras as referências a Zumbi na documentação sobre Palmares. Segundo documentos e tradição oral, Zumbi tem pelo menos cinco filhos e é casado com uma mulher branca, trazida de uma das suas incursões pelas fazendas alagoanas do entorno da Serra da Barriga [2]. O certo é que, em 1678, torna-se importante comandante militar e um dos líderes militares e dirigentes de mocambos que recusam o tratado de paz firmado por Ganga-Zumba com os portugueses.
Ao longo da década de 1670, com quase um século de lutas contra o Quilombo dos Palmares, as autoridades coloniais se convencem de que o enfrentamento militar direto não é suficiente para acabar com o quilombo. Em 1677, após uma série de expedições que impõem danos extensos às tropas de Palmares, inclusive ferindo Ganga Zumba, as tropas coloniais iniciam tentativas de acordo para conter e pacificar os mocambos.
As negociações resultam em um tratado de paz que propõe demarcação das terras de Palmares, autonomia do comércio regular na região e respeito à liberdade dos nascidos nesse território. Em contrapartida, os palmarinos devem reconhecer a autoridade da Coroa, convertendo-se em vassalos do rei de Portugal, e não mais abrigar escravos fugidos, devolvendo-os imediatamente às autoridades coloniais. O acordo interessa a Ganga Zumba, que também é agraciado com a nomeação como oficial do exército português. Nem em Recife, nem em Palmares, porém, há consenso sobre esse acordo. Enquanto Ganga Zumba, seguindo os termos do tratado, abandona Macaco, o mocambo mais importante de Palmares, e parte para o povoamento de Cucaú, Zumbi resolve permanecer na Serra da Barriga e reúne em torno de si diversos líderes de outros mocambos [3].
A partida dos mocambos que acompanham Ganga-Zumba e as informações internas a que as tropas coloniais passam a ter acesso por meio deles tornam a vida em Palmares mais difícil. Nesse contexto, Zumbi, aos 23 anos de idade, torna-se líder militar absoluto e autocrático, impondo uma ordem que permite recuperar antigos e criar novos mocambos, que servem de base para organização de novos e duros ataques às povoações e propriedades vizinhas.
O governo de Pernambuco tenta um novo acordo, mas Zumbi rejeita vários pontos centrais da proposta, como a contenção de Palmares a determinadas partes da Serra da Barriga, a rendição dos negros não nascidos em Palmares e a devolução dos escravizados fugitivos. Sem consenso, as guerras são retomadas e intercaladas por novas propostas de acordo.
No início da década de 1690, os paulistas são chamados a atuar contra Palmares. Em 1692, o bandeirante e notório caçador de índios e escravos fugidos Domingos Jorge Velho (1641-1705) move uma coluna de centenas de soldados, armamento e provisões em direção à Serra da Barriga. Antes de chegar aos principais mocambos, os paulistas são atacados de forma fulminante. Após mais de seis meses de luta, as tropas paulistas estacionam nos arredores da serra para esperar reforços e elaborar uma nova estratégia.
Com a chegada de mais de mil soldados e de canhões no início de 1694, as tropas paulistas constroem uma contracerca, que lhes dá proteção suficiente para preparar novo avanço e iniciar uma nova ofensiva. As novas batalhas atingem vários mocambos, levam à morte de muitos e à captura de quinhentos palmarinos. Com base em informações retiradas dos soldados capturados, novas ações se concentram no mocambo situado na Serra Dois Irmãos, onde Zumbi é capturado e morto em 20 de novembro de 1695.
Notas
[1] É por meio dessa correspondência do pároco que o historiador Décio Freitas conclui que o parentesco de Zumbi com Ganga Zumba (c. 1630-1678), chefe supremo de Palmares, é apenas simbólico. O mais provável é que a relação estabelecida entre os dois como tio e sobrinho, frequentemente referida na documentação portuguesa, é produzida por adoção, em que as relações políticas são traduzidas em termos de parentesco. Essa prática é comum tanto nos reinos da África Ocidental quanto nas monarquias europeias da época.
[2] Fora da documentação histórica, está consolidada a identidade de Dandara como companheira de vida e luta de Zumbi. A Enciclopédia brasileira da diáspora africana a descreve como “Personagem lendária da história de Palmares. Celebrada como a grande liderança feminina da epopeia quilombola, teria morrido quando da destruição de Macaco (nome do principal quilombo Palmarino). Contudo sua real existência está ainda envolta em uma aura de lenda”. Apesar dessa falta de comprovação histórica de sua existência, em 24 de abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro publicou a Lei 13.816, que inscreve os nomes de Dandara dos Palmares e de Luiza Mahin no Livro dos heróis e heroínas da Pátria.
[3] As razões do dissenso passam pela incerteza sobre a sujeição do quilombo à Coroa, pela desconfiança da cobiça dos proprietários sobre as terras demarcadas e pelas novas expedições militares contra Palmares, realizadas mesmo depois do acordo, sob a justificativa de novas fugas de escravos, investidas que demonstram a fragilidade do tratado de paz.