Neusa Santos Souza


1948

2008

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Neusa Santos Souza (Cachoeira, Bahia, 1948 – Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2008). Psiquiatra, psicanalista, escritora. É referência na construção epistemológica dos aspectos sociológicos e psicanalíticos da negritude, no debate sobre relações étnico-raciais e sofrimento mental, além de mesclar psicanálise com militância antirracista por meio de crônicas e artigos em jornais e revistas. Deixa importantes reflexões sobre o ser negro em uma sociedade racista. 

Neusa cresce em família humilde de Cachoeira, na região do Recôncavo Baiano, e permanece em sua cidade natal até se mudar para a casa de uma tia, no bairro de Campo Grande, em Salvador, para cursar Medicina na então Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Entra em contato com a psicanálise logo no início do curso e se forma em Psiquiatria. No início dos anos 1970, ainda na graduação, acompanha a amiga já formada Ana Rocha como assistente no Sanatório Bahia, clínica de saúde mental localizada no Largo da Lapinha, em Salvador. Lá, realiza trabalho com pacientes psiquiátricos a partir de dispositivos para além das lógicas medicamentosas e enclausuradoras, como trabalhos em grupos e o cultivo de uma horta.

Muda-se para o Rio de Janeiro em 1975 e permanece em articulação íntima com o movimento negro organizado em torno do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN) e com o Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições (Ibrapsi). Consquista o título de mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com a dissertação Tornar-se negro, orientada por José Otávio de Freitas Júnior e co-orientada por Gregório Franklin Baremblitt, ambos psiquiatras. 

Lançado como livro na década de 1980 e logo considerado um marco da psicologia preta no Brasil, o trabalho propõe o “discurso do negro sobre o negro” e traz o estudo da autora sobre a vida emocional dos negros, com reflexões sobre o custo emocional da negação da própria cultura e do próprio corpo, considerada a primeira referência sobre a questão racial na psicologia. Neusa contribui também com artigos sobre a psicose e a psicanálise lacaniana.

Começa a trabalhar e estudar no Núcleo de Atendimento Terapêutico (NAT), onde organiza diversos seminários. Posteriormente, deixa o NAT e passa a trabalhar como funcionária concursada no Centro Psiquiátrico Pedro II, no bairro do Engenho de Dentro, atual Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira, local de encontro de muitos psiquiatras militantes que começam a construir uma das primeiras experiências da reforma psiquiátrica no Brasil. Com mudanças burocráticas na instituição que contrariam seus ideais, deixa o centro psiquiátrico e se mantém apenas com os rendimentos de seu trabalho clínico em consultório próprio – aluga um espaço em Copacabana e, após um tempo, organiza um espaço em sua própria residência, no bairro carioca de Laranjeiras, onde morava sozinha.

Em 2008, a Fundação Palmares louva, em nota, sua contribuição para o estudo das relações raciais, considerando a obra da autora como a “primeira referência sobre a questão racial na psicologia”. No mesmo ano, o ator e apresentador Lázaro Ramos (1978) exibe no programa Espelho, atração comandada por ele e transmitida pelo Canal Brasil, uma das raras entrevistas com a psiquiatra, um legado audiovisual importante para entender suas teses vistas por ela mesma três décadas depois.

Em reconhecimento às suas contribuições, é criado em 2015, no curso de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o Coletivo de Estudantes Neusa Souza. O volume quatro da importante coleção Sankofa é dedicado à autora, que também empresta seu nome ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) II Neusa Santos Souza, no Rio de Janeiro.

Neusa Santos Souza, que sempre teve ressalvas à filiação a um grupo e/ou instituição, circula por diversos espaços e deixa importantes contribuições por onde passa. Sua produção intelectual é referência para o pensamento da psicologia brasileira sobre relações étnico-raciais, sobre o processo de “branqueamento” e o sofrimento psíquico dos negros na sociedade brasileira. Ao lado de outros psiquiatras, formula uma das primeiras experiências da reforma psiquiátrica brasileira, que logo se intensifica e ganha expressão nacional. Neusa fica marcada na história pela sua luta contra o racismo e pela exposição dos danos psíquicos causados por ele. Seu pioneirismo nos estudos étnico-raciais dentro da psicologia abre espaço para reflexão sobre a construção de uma psicologia atenta às particularidades da população negra.