Nêgo Bispo


1959

2023

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Atualização 05/12/2023

Antônio Bispo dos Santos (Povoado Papagaio, Vale do Rio Berlengas, atual município de Francinópolis, Piauí, 1959 - São João do Piauí, 2023). Lavrador, poeta, escritor, professor, ativista político. Militante do movimento social quilombola e de direitos pelo uso da terra, Nêgo Bispo é e eternamente será uma das principais vozes do pensamento das comunidades tradicionais do Brasil.

Morador do Quilombo Saco-Curtume, localizado em São João do Piauí, Nêgo Bispo possuiu trajetória educacional típica da realidade do povo quilombola. Foi formado por mestres e mestras de ofícios por meio da oralidade e de ensinamentos e saberes ancestrais. A partir deles e das demandas comunitárias, chegou à educação formal, fazendo parte da primeira geração de sua família a concluir o ensino fundamental. Desde muito jovem, desenvolveu a habilidade de traduzir para a linguagem escrita das cartas os sentimentos, as sabedorias e as vivências de seus parentes e vizinhos.

Em 2007, lançou seu primeiro livro, Quilombos, modos e significados, reeditado em 2015 com novo título, Colonização, quilombos. Modos e significações. Na obra, desenvolveu o conceito de contracolonização, que contestou o atual modelo de desenvolvimento econômico ao qual o Brasil e os demais países da América Latina se rendem. Em contraposição a esse projeto de sociedade autodestrutiva, Bispo propôs uma alternativa civilizatória baseada na biointeração, na qual a relação entre humanos e natureza é de comunhão prazerosa. A lógica da biointeração tem como princípios extrair, utilizar e reeditar, que se realizam em uma relação comunitária, coletiva, em que a capacidade de cultivar, coletar e compartilhar são inerentes. Esse conceito é definido como contracolonização do conceito de desenvolvimento sustentável e é comum aos quilombos, aos terreiros das religiões de matriz africana e à capoeira. Para Bispo, na biointeração, as coisas se reeditam; no desenvolvimento sustentável, elas se reciclam.

Com ampla repercussão, a obra passa a figurar nas ementas de cursos de graduação e pós-graduação em diferentes universidades brasileiras. Esse trabalho aborda os pontos importantes da formação sócio-histórica e cultural brasileira e traduz os ensinamentos de seu povo para os moldes acadêmicos. Nesse sentido, Bispo ressignificou conceitos e ideias consagradas nesse meio sob a ótica do pensamento quilombola.

Devido ao seu engajamento e sua luta pela terra, ganhou destaque à frente do Sindicato de Trabalhadores/as Rurais de Francinópolis e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no estado do Piauí. Atuou ainda como membro da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (Cecoq/PI) e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). 

Sua relação com o ambiente acadêmico se iniciou com o projeto Encontro de saberes, na Universidade de Brasília (UnB), em que atua como professor e mestre na disciplina Confluências Quilombolas Contracolonização no primeiro período do ano de 2017 [1].

Em vez de ser chamado de intelectual, Bispo preferiu ser referido como relator de pensamentos e saberes. Ele foi crítico do que chama de mercantilização do saber e defende, em contrapartida, a confluência cosmológica e o compartilhamento de conhecimentos. Confluência é um conceito criado pelo poeta no processo de análise da contracolonização dos saberes: trata-se da lei que rege a relação de convivência entre elementos da natureza e que ensina que "nem tudo o que se ajunta se mistura". Contrapondo-se a essa lei, a transfluência é a lei que rege as relações de transformação dos elementos da natureza e ensina que "nem tudo o que se mistura se ajunta" [2].  

Em sua trajetória, Antônio dos Santos Bispo construiu diálogos sobre resistência negra e quilombola, além de apresentar alternativas de sociabilidade e de relação sadia com a natureza a partir da sabedoria dos povos tradicionais. Consolidou-se como uma uma voz ativa, poética e poderosa na defesa dos direitos dos quilombolas e da terra.

Notas

1. Encontro de Saberes é um projeto do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI) da Universidade de Brasília (UnB). Seu propósito é a criação de um espaço dialógico com mestres e mestras tradicionais, como indígenas, quilombolas e outros grupos e povos cujo conhecimento foi historicamente relegado pela academia.

2. SANTOS, A. B. Colonização, quilombos. Modos e significações. Brasília: INCTI/UnB, 2015, p. 89.