Mundinha Araújo


1943

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Maria Raimunda de Araújo (São Luís, Maranhão, 1943). Pesquisadora, diretora do Arquivo do Estado do Maranhão, fundadora do Centro de Cultura Negra do Maranhão e do Bloco Akomabu. É figura central em São Luís e referência na luta antirracista das regiões Norte e Nordeste.

Filha do comerciante Eugênio Estanislau de Araújo e Neuza Valeriana Ribeiro de Araújo, Mundinha nasce na casa da avó paterna, Ana Raimunda de Sá Caldas, conhecida como Donana, mulher preta, nascida após a Lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871. Seu avô paterno, Elesbão Lourenço de Araújo, branco, vive em união estável por doze anos com ela, com quem tem dez filhos, entre eles Eugênio, pai de Mundinha. Exímia cozinheira, a avó domina a culinária de origem africana, a exemplo do caruru, vatapá e cuxá (tipo de angu tradicional feito à base de gergelim e mandioca branca socada no pilão com a folha de cuxá e camarão seco). 

Com uma família festiva, desenvolve o gosto pela dança. Na São Luís da época, entretanto, os grandes clubes da cidade, como Casino Maranhense e Lítero Recreativo Português, não aceitam negros como sócios. Por causa disso, os espaços de socialibidade e de festas da juventude negra ficam restritos a casas ou salões alugados para bailes. O único clube que aceita negros como sócios é o Grêmio de Subtenentes e Sargentos de Sao Luís. 

Os pais garantem que todos os filhos tenham acesso à educação formal. O início de sua atividade discente é marcado pelas transformações políticas do Brasil. Depois de frequentarem o curso preparatório popular, em 1957, Mundinha e sua irmã ingressam no Ginásio Estadual do Instituto de Educação e, em 1964, na escola normal mantida pelos ferroviários. 

Depois de concluído o curso, as redes de trabalho de seu pai na gráfica da Rede Ferroviária Federal a conduzem ao primeiro emprego, ao mesmo tempo que se encaminha para a escola de comunicação da Universidade Federal do Maranhão (UFM). Formada, abandona o magistério e passa a trabalhar como técnica em Comunicação Social no Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais.

Na trajetória de vida, é importante destacar a permanência dela no centro de São Luís, o que a distancia geográfica e socialmente da maior parte da população negra, que reside nas periferias da cidade. Isso não a impede de perceber a discriminação racial, uma vez que a família convive com a vizinhaça majoritarimente formada por pessoas brancas. 

A questão racial e o entendimento de uma identidade coletiva afirmada vêm despertam com a recepção do orgulho negro que circulava mudialmente pela indústria fonográfica, televisiva e cinematográfica, com a difusão da soul music e da beleza negra como afirmação estética e cultural negra. 

Entre os finais da década de 1960 e a chegada dos anos 1970, questiona a estética antiga, marcada sobretudo pelo alisamento dos cabelos. Para além dos cabelos naturais, a identidade negra passa a ser apresentada de outra forma, especialmente pela negação do termo mulata como autonomeação e adoção dos termos preto ou negro. Com a efervescência do movimento Black Power estadunidense, chegam a São Luís notícias do congênere brasileiro Black Rio [1] e imagens de artistas como Tony Tornado (1930) influenciam a juventude negra do país. As viagens ao Rio de Janeiro também colocam Mundinha Araújo em contato direto com as transformações culturais dos negros cariocas.

No final dos anos de 1970, formada e atuando como profissional, participa das lutas negras do Maranhão, visitando quilombos para conhecer de perto a realidade nas comunidades das áreas rurais do estado. Além disso, ao lado de outros colegas de militância política de São Luís, se reúne com os grupos ligados aos direitos humanos e decidem formar uma organização política e cultural negra. Em 1979, criam o Centro de Cultura Negra do Maranhão e lutam para sediá-lo no antigo mercado de escravos da cidade, localizado no bairro João Paulo.

Nos anos 1980, participa das discussões para a contrução do Memorial Zumbi e frequenta os encontros de negros do Norte e do Nordeste, que realizam diversas proposições sobre o enfretamento das desigualdades raciais dessas regiões e desenvolvem importantes debates sobre a questão agrária e quilombola, bem como encaminham demandas de reconhecimento das culturas negras nas escolas. Integra também o grupo fundador do primeiro bloco afro da cidade, o Akomabu, que realiza desfiles carnavalescos no centro e nas periferias da cidade.

Autora de importantes livros sobre a história negra do Maranhão, publica A revolta de escravos de Viana (1867), lançado em 1994, e Em busca de Dom Cosme Bento das Chagas Negro Cosme, tutor e imperador da  liberdade (2008), que analisa a trajetória do líder da Balaiada, revolta de escravizados ocorrida no Maranhão na primeira metade do século XIX. 

Em 2014, é homenageada na tradicional feira do Livro do Maranhão por suas contribuições para a história negra. Pelo conjunto de trabalhos e ações coletivas de que está à frente, recebe premiações como o título de doutora honoris causa pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

Na primeira década do século XXI, abre um centro de referência e documentação anexo à sua residência, no centro de São Luís, e recebe pesquisadores, militantes e público interessados no conhecimento de seu acervo pessoal, que se confunde com a história do movimento negro e de mulheres negras do Maranhão.

Mundinha Araújo é referência para mulheres e homens negros de diferentes organizações, como o Centro de Cultura Negra do Maranhão, o Bloco Akomabu e a ONG Mãe Andreza. Com a emergência dos coletivos negros universitários e as novas formas de atuação política no estado, ela se apresenta como verdadeiro baobá de conhecimento e de inspiração para diversas gerações.